A gastronomia cervejeira vive seu auge no mundo todo. Podemos dizer que foi, principalmente nos últimos 50 anos, que muita coisa mudou, entre elas, a forma como provamos pratos internacionais e podemos, nós mesmos, produzir um prato clássico japonês em casa ou fazer um tiramisu com queijo italiano para a sobremesa do domingo. Assim também com a cerveja, podemos provar cervejas do mundo todo, com diferentes sabores e ingredientes variados. A cultura e seus sabores estão a um copo e a um prato de nós.
Dizemos que cerveja é gastronomia por diversos fatores. Para começar, a cerveja sempre foi um produto feito em casa, na antiguidade era parte da alimentação das famílias e como já vimos em sua história, foi a partir das revoluções comerciais e industriais que ganhou escala.
Cerveja é gastronomia porque também é agricultura. Plantamos e colhemos os ingredientes necessários para se produzir a cerveja. Também já conhecemos o processo de produção: cozinhar o malte, temperar o mosto, fermentar o líquido. Todo o processo é culinário.
A gastronomia é o grande guarda-chuva do comer e do beber, é o debate, o estudo das relações que cercam a cultura, o fazer, o consumir. Por isso podemos afirmar que cerveja é gastronomia, pois está conectada a essa estrutura interdisciplinar dos alimentos e bebidas.
Aqui, a ideia é mostrar como a cerveja à mesa é uma ótima combinação para criar harmonia entre sabores e elevar as experiências ao máximo, de forma gastronômica e prazerosa. Para falar um pouco mais sobre isso, vamos entender como os sabores se formam, a partir da fórmula: gosto + aroma + sensação de boca + biblioteca sensorial que temos em nossa memória.

O gosto
Temos 5 gostos conhecidos:
- Doce: associado a açúcares e alimentos ricos em carboidratos. Ele costuma trazer conforto e suavidade ao paladar.
- Salgado: ligado à presença de sais. Esse gosto realça outros sabores e pode equilibrar o doce ou intensificar o amargor.
- Azedo: percebido em alimentos ácidos, como frutas cítricas. Esse gosto pode ser refrescante e ajuda a cortar gorduras, dando leveza ao paladar.
- Amargo: muitas vezes presente em vegetais verdes e na cerveja, principalmente por causa do lúpulo. O amargor adiciona complexidade e contrasta bem com o doce.
- Umami: encontrado em alimentos ricos em aminoácidos, como queijos e carnes. Esse gosto confere profundidade e riqueza, equilibrando bem o perfil de sabor. Chamamos de gosto do gostoso pois é um realçador.
Esses gostos interagem entre si, destacando ou suavizando certos sabores. Existem conversas sobre a “gordura” ser um gosto, mas ainda não é considerada oficialmente um sexto gosto básico, apesar de pesquisas apontarem que podemos ter receptores específicos para percebê-la. Esse “gosto de gordura” está sendo explorado em estudos, e alguns pesquisadores acreditam que ele desempenha um papel importante na percepção global de sabor e textura, influenciando o prazer e a saciedade no consumo de alimentos.
O mais interessante é que de qualquer forma na cerveja não encontramos esse gosto, mas sim nos alimentos que vamos propor harmonizar, mais ali em baixo no texto.
O aroma
Os seres humanos são aptos a perceber mais de um trilhão de aromas! Durante muito tempo, acreditava-se que podíamos distinguir cerca de 10 mil aromas diferentes, mas um estudo mais recente, publicado em 2014 por pesquisadores da Rockefeller University, liderados pelo neurocientista Andreas Keller, mostraram que o número é significativamente maior. Esse número enorme se deve à combinação dos nossos cerca de 400 tipos diferentes de receptores olfativos, que são capazes de captar e combinar moléculas de diferentes cheiros em padrões complexos.
Na prática, isso significa que, embora muitos aromas sejam parecidos, conseguimos detectar nuances muito sutis entre eles. Essa ampla capacidade é o que permite a percepção de aromas complexos em alimentos e bebidas, como as camadas de aromas presentes em uma boa cerveja, que variam desde notas de malte e lúpulo até toques frutados, condimentados e amadeirados.

A sensação de boca
As sensações de boca são percepções táteis e físicas que temos ao provar alimentos e bebidas, além dos gostos básicos e aromas. Na gastronomia, essas sensações complementam a experiência de sabor e ajudam a definir o caráter de cada alimento ou bebida. Aqui estão as principais:
- Untuosidade: a sensação de gordura e cremosidade que reveste o paladar, comum em queijos, molhos ricos e carnes gordurosas. Essa sensação pode ser equilibrada com acidez ou efervescência.
- Adstringência: a sensação de secura ou de “aperto” na boca, causada por compostos como taninos, presentes em vinhos tintos e na fruta caju, por exemplo. Na cerveja, pode vir de certos grãos ou do lúpulo.
- Efervescência: a percepção das bolhas e do gás carbônico, como em refrigerantes e cervejas. Ela refresca o paladar, “limpando” sabores fortes ou untuosos e intensificando o frescor.
- Picância: a sensação de calor ou ardência, causada por compostos como a capsaicina (da pimenta) ou o gengibre. É uma sensação tátil que ativa receptores de dor e calor na boca.
- Temperatura: a sensação térmica (frio ou calor) de um alimento ou bebida. A temperatura influencia a percepção de sabores, como o doce e o amargo, e pode tornar uma experiência mais reconfortante ou refrescante. No Brasil, um país de altas temperaturas, o consumo tende a ser do produto bastante gelado.
- Corpo: a sensação de peso ou “densidade” na boca. Bebidas e alimentos com mais corpo são “mais pesados” e persistem mais no paladar, como uma cerveja encorpada ou um caldo grosso.
Essas sensações de boca interagem com os sabores e aromas, criando uma experiência complexa e completa de degustação. Já tinha pensando na cerveja desta forma?
Que sabor a cerveja tem?
Junto, tudo isso forma o sabor da cerveja, uma complexa trama de acontecimentos que precisam acontecer para você dar um gole de cerveja e sentir, todo o prazer que o gosto, o aroma, a sensação de boca e suas memórias tem com aquele líquido e mandar para seu cérebro! Aí você sabe se gosta ou não, reconhece ou não!
Harmonização de cervejas
“Harmonizar é extrair os melhores sabores daquilo que se está consumindo.”
Fernanda Meybom
Quando falamos de combinar os sabores é tentar um casamento entre diferentes coisas. A cerveja e a comida estão juntas nas mesas, fazendo um encontro que pode ter infinitos cruzamentos e que ficam muito bons.
Tecnicamente conseguimos criar teses que nos sugerem o que combina com o quê, isso porque temos algumas regras que nos ajudam a chegar nessa conta que só se sabe o resultado com um garfo e um copo em mãos. Alguns tipos de harmonização:
Equilíbrio: O objetivo é encontrar uma combinação onde os sabores da cerveja e do prato estejam em harmonia, sem que um sobressaia sobre o outro.
Exemplos: A acidez e a carbonatação de uma cerveja podem equilibrar pratos mais gordurosos; o amargor pode suavizar pratos doces, e o dulçor pode amenizar sabores picantes.
Semelhança: A ideia é buscar perfis de sabor parecidos entre a cerveja e o prato, criando uma conexão sensorial que intensifica a experiência.
Exemplos: Uma Saison com especiarias combina bem com pratos que também trazem condimentos, enquanto uma IPA com notas cítricas harmoniza com receitas que têm toques de frutas cítricas.
Contraste: Consiste em unir sabores opostos para destacar as qualidades de cada elemento.
Exemplo: Uma IPA com notas cítricas junto a uma torta de maracujá, onde o amargor da cerveja cria um contraste com a doçura da sobremesa, destacando as notas cítricas e o sabor do malte.
Corte: Usar o amargor, a carbonatação ou a acidez da cerveja para “limpar” o paladar. Esse método é especialmente eficaz em pratos gordurosos ou apimentados.
Complementação: Procura-se combinar sabores que se valorizam mutuamente, intensificando as qualidades de ambos.
Exemplo: A clássica combinação de chocolate com uma cerveja de perfil com notas de café.
Estímulo: A cerveja interage com o prato, destacando seus sabores ou agregando novas nuances. Uma provocação ao palato.
Harmonização Cultural ou Local: Enaltece a tradição e os produtos regionais, como um bom churrasco acompanhado de uma Lager no Brasil.
Dicas para harmonizar melhor
- Observe sempre as intensidade: É fundamental equilibrar a intensidade da cerveja e da comida. A intensidade da cerveja pode ser percebida pelo teor alcoólico, amargor, sabor do malte, acidez, dulçor, sabores de fermentação, sabores do lúpulo, notas frutadas e amadeiradas.
- Ingredientes e modo de preparo dos alimentos: Os ingredientes, temperos, condimentos e o método de preparo do alimento influenciam diretamente na escolha da cerveja. É preciso considerar as características de cada ingrediente e como elas interagem com os sabores da cerveja. Ou seja, para um casamento arranjado, observe os detalhes.
Cerveja dentro da panela
O que mais dá para fazer? Cozinhar usando uma cerveja receita!
- Combinar os sabores da cerveja com os ingredientes da receita.
- Conhecer o estilo da cerveja e o prato a ser preparado.
- Guardar parte da cerveja para degustar durante o preparo.
- Começar com receitas simples e familiares.
- Utilizar cerveja de qualidade
O uso da cerveja como ingrediente na culinária oferece diversas vantagens, como a ampliação do sabor e a versatilidade. No entanto, é preciso estar atento a alguns pontos, como o amargor excessivo e a escolha da cerveja adequada para cada receita.
Saiba mais: Fontes