A expressão “nações cervejeiras”, muitas vezes mencionada no Brasil como “escolas cervejeiras”, refere-se a países cuja cultura da cerveja excede o copo: ela molda parte da gastronomia, do comportamento, da identidade local e até das políticas públicas.
O universo cervejeiro é multifacetado. Vai das receitas artesanais aos grandes volumes industriais, das tradições centenárias aos lançamentos inovadores, da economia local ao comércio internacional. Falar sobre nações cervejeiras é olhar para países onde a cerveja é expressão cultural, força econômica e protagonista no consumo de bebidas.
Tradicionalmente, dividimos o cenário entre o chamado Velho Mundo, com raízes históricas profundas, e o Novo Mundo, onde a inovação e a liberdade de criação transformaram o mercado global. No mundo hoje globalizado temos uma complexidade do setor, em que grandes indústrias e microcervejarias coexistem, aprendem e impulsionam o consumo em conjunto.
Com as culturas ancestrais, as tradições mais antigas de formatação do que conhecemos como cerveja e toda a inovação que o século XXI traz, ainda vai nos surpreender.
Aqui, um breve relato de países que têm destaque na produção global, mas que caberia falar sobre tantos outros, onde a cerveja é a bebida dos rituais sociais, encontros e gastronomia.

Velho Mundo: O peso da história fermentada
O Velho Mundo continua a exercer um papel central no imaginário e na estrutura do mercado global de cervejas. A União Europeia, em seus 27 países, abriga mais de 9.600 cervejarias, das quais uma parcela crescente é composta por microcervejarias.
Países como Alemanha, Bélgica e Países Baixos (Holanda) seguem liderando em produção, exportação e influência cultural, enquanto o consumo domiciliar cresce diante das mudanças nos hábitos sociais e econômicos. A cadeia cervejeira movimenta mais de dois milhões de empregos e gera bilhões em valor agregado e arrecadação, consolidando-se como uma engrenagem vital para as economias nacionais. Mesmo diante de custos crescentes e um cenário desafiador para o on-trade, o setor aposta em inovação, sustentabilidade e políticas públicas mais equilibradas para seguir relevante.
Alemanha
Referência mundial tanto em tradição quanto em produção em escala. É uma das maiores produtoras da Europa, com cerca de 85 milhões de hectolitros anuais, e exporta para dezenas de países. Seu rigor técnico e histórico influenciou escolas técnicas, padrões de qualidade e modelos de negócio ao redor do mundo.
Conhecida por sua precisão e respeito às tradições, a Alemanha é sinônimo de cervejas Lager. De Munique a Colônia, a diversidade passa por estilos como Helles, Dunkel, Bock, Kölsch e Altbier.
A Reinheitsgebot, de 1516, a famosa “lei da pureza”, marcou a história ao restringir os ingredientes da cerveja, moldando gerações de produção. Hoje, o país soma mais de 1.500 cervejarias, sendo um dos líderes globais em volume e diversidade regional.
Bélgica
Berço da complexidade sensorial, a Bélgica é quase um continente cervejeiro em miniatura. A Bélgica mantém sua posição como uma das nações cervejeiras mais simbólicas e influentes do mundo. Em 2022, o país produziu mais de 23 milhões de hectolitros de cerveja, mantendo uma média estável de produção ao longo dos últimos anos.
O número de empresas cervejeiras mais que dobrou entre 2016 e 2022, passando de 147 para 309, enquanto o número total de cervejarias saltou de 224 para 430 no mesmo período, um crescimento que reforça a vitalidade do setor, especialmente entre as pequenas e médias produtoras.
Sua riqueza de estilos, de Saisons a Lambics, de Tripel a Flanders, reflete um mosaico de influências religiosas, camponesas e urbanas. Lá, o terroir não é apenas do solo, mas das leveduras. A cultura cervejeira belga foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2016.
Reino Unido (Grã-Bretanha e Irlanda)
Com pubs centenários, o Reino Unido moldou o paladar de gerações com suas Ales de alta fermentação, como Bitter, Mild, Porter, Stout, e as robustas Barley Wines. O serviço em Cask (barril com carbonatação natural) mantém vivas tradições enquanto as novas gerações reinventam as IPAs com um toque britânico contemporâneo.
O setor cervejeiro britânico sustenta mais de 365 mil empregos e gera quase 10 bilhões de euros em receitas governamentais, reafirmando sua importância econômica. Apesar das flutuações na produção e nas exportações, a essência do mercado britânico está em seu consumo doméstico e em seu vínculo afetivo com a cerveja como símbolo de pertencimento.
Em um cenário de transformação global, o Reino Unido permanece como uma das nações cervejeiras mais emblemáticas, onde tradição e mercado caminham juntos, sustentados pela força dos seus copos, balcões e comunidades.
República Tcheca
País com o maior consumo per capita de cerveja no mundo (cerca de 135 litros por pessoa/ano), a República Tcheca é o berço da Pilsner — estilo que mudou o mundo. A cidade de Plzeň foi palco de uma revolução dourada no século XIX que ainda ressoa em bares de todos os continentes.
A cerveja tcheca é uma política pública, com presença em escolas técnicas, exportação de insumos (como lúpulo Saaz) e proteção de denominações de origem.
Novo Mundo: A criatividade como guia
Estados Unidos
Após a Lei Seca e a consolidação industrial, os EUA ressurgiram com o movimento craft nos anos 1980. Hoje, contam com mais de 9.500 cervejarias em operação. É o maior mercado em valor e o segundo em volume global (atrás da China). Os EUA aliam inovação com escala.
O país não só reinventou estilos tradicionais como criou novas categorias, como a American IPA, West Coast, New England IPA, Pastry Stout e Cold IPA. Os EUA também lideram tendências globais em marketing, rotulagem e experiências cervejeiras.
Brasil
Com pouco mais de três décadas de mercado artesanal ativo, o Brasil já figura entre os países com maior número de cervejarias no mundo (mais de 1.800 registradas em 2024). A indústria cervejeira movimenta bilhões por ano, gera mais de 2.5 milhões de empregos diretos e indiretos e representa quase 2% do PIB.
A diversidade climática, cultural e biológica do país alimenta uma cena efervescente, que explora ingredientes nativos, fermentações naturais, grandes eventos do setor e a possibilidade de ter um forte turismo cervejeiro.
A previsão para cerveja sem álcool no Brasil ultrapassa 1 bilhão de litros em 2026 e os dados da consultoria Euromonitor mostram um crescimento gigante nessa bebida que acompanha as tendências de consumo mundiais.
A Catharina Sour, criada em Santa Catarina, se tornou o primeiro estilo reconhecido internacionalmente como “brasileiro”. Outros projetos, como cervejas com mandioca, cacau, casca de jabuticaba ou fermentações da manipueira, refletem um Brasil cervejeiro plural e autoral.
China
O maior produtor mundial de cerveja em volume (cerca de 360 milhões de hectolitros/ano), a China vive um mercado dominado por Lagers industriais, com uma cena craft urbana, conectada a tendências internacionais e impulsionada pela classe média. Pequim, Xangai e Shenzhen concentram microcervejarias e bares inovadores.
O mercado chinês é dominado por grandes marcas locais, que figuram entre as cervejas mais consumidas do mundo. O crescimento do consumo acompanha a urbanização e a ampliação da classe média.
África do Sul
O país é pioneiro no continente africano e se destaca como mercado artesanal emergente. Com forte influência inglesa, o país também investe em ingredientes locais, como o sorgo, e fermentações ancestrais. A cidade do Cabo e Joanesburgo são pólos de produção e consumo diferenciados.
México
Com uma grande indústria cervejeira voltada à exportação, o México vê crescer uma cena artesanal que mistura ingredientes pré-colombianos (milho azul, pimenta, agave) com estilos globais. Além disso, é o lar de eventos como o Aro Rojo, um dos maiores concursos cervejeiros da América Latina.
O setor emprega diretamente mais de 55 mil pessoas e indiretamente, mais de 700 mil, segundo dados recentes.
A Cerveja como linguagem global
Em cada canto do mundo, a cerveja reflete valores culturais, ambientais e sociais. O que antes era restrito às tradições centenárias, hoje é pauta de inovação colaborativa entre ciência, mercado e cultura.
O futuro das nações cervejeiras inclui não apenas países com séculos de tradição, mas também novos territórios que colocam a biodiversidade local, a sustentabilidade, a hospitalidade e a criatividade como insumos principais.
E o Brasil está entre eles.
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