Artigo: Imposto seletivo com diferenciação é essencial para reduzir o uso nocivo do álcool

Márcio Maciel e Justin Kissinger (*)

Em todo o mundo, os responsáveis pela formulação de políticas públicas têm como um dos objetivos a redução do uso nocivo do álcool – uma meta vital, com a qual a indústria cervejeira também concorda. Uma ferramenta de que os governos dispõem para atingir essa meta é o imposto seletivo.

No entanto, a maneira como essa ferramenta é usada pode fomentar ou sabotar estratégias de redução de danos. Quando estratégias políticas, como taxas de imposto seletivo e controles sobre disponibilidade e marketing, são ajustadas de acordo com o tipo e a concentração da bebida, a produção e o consumo de bebidas com menor teor alcoólico são incentivados, o que pode ajudar a reduzir os danos relacionados ao álcool à população.

Esse resultado vem de um fenômeno chamado “efeito de substituição”, quando os consumidores que optam por beber álcool substituem produtos com maior teor alcoólico por opções com menor teor alcoólico. Esse efeito pode se dar pela troca de bebida destilada por cerveja ou, ainda, de uma cerveja com teor alcoólico normal por uma com menor teor alcoólico ou sem álcool. Quando esse efeito de substituição acontece, o consumo geral de etanol diminui, e vários indicadores de saúde pública melhoram.

Isso não é apenas uma teoria, mas um fenômeno observado empiricamente. Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) relatou uma mudança bem-sucedida para o consumo de bebidas com teor alcoólico mais baixo na Rússia e como essa mudança implicou uma melhoria relacionada à saúde pública daquele país. Além disso, a OMS observou que mudanças para consumo “de bebidas alcoólicas mais leves” nos países nórdicos e do Leste Europeu “levaram a resultados favoráveis em danos atribuíveis ao álcool”.

Pesquisas recentes no Reino Unido e na Espanha sugerem que a disponibilidade de cervejas com teor alcoólico mais baixo ou sem teor alcoólico levou os consumidores a substituírem parte do consumo de cerveja regular por alternativas com teor alcoólico mais baixo, resultando em menos álcool consumido no geral.

Embora o imposto seletivo possa ser cobrado com base no valor do produto, volume de líquido ou teor alcoólico, a tributação com base no tipo de bebida e teor alcoólico é a melhor maneira de promover o efeito de substituição. Essa estrutura tributária baseada em evidências desencoraja a produção e o consumo de bebidas com alto teor alcoólico e incentiva a produção e o consumo de opções com baixo teor alcoólico.

A OMS concorda. Em um relatório sobre preços na região europeia, a OMS explicou: “A abordagem mais eficaz para a tributação com vistas a melhorar a saúde pública e reduzir esse dano é tributar o volume de álcool por meio de um sistema específico de tributação. Esse sistema pode ser mais eficaz para melhorar a saúde se tiver taxas de tributação mais altas para produtos mais fortes por dois motivos: primeiro, os bebedores podem consumir um volume maior de álcool mais rapidamente por meio de produtos mais fortes; e, segundo, os custos de produção e distribuição podem ser menores, pelo

menos em alguns casos, para produtos mais fortes, o que significa que o mesmo volume de álcool pode ser vendido mais barato em produtos com maior teor alcoólico, mesmo com a mesma taxa de imposto específico”.

É uma prática comum, na maioria dos países mais avançados no tema, tributar de acordo com o tipo e a concentração da bebida. Mais de 40 países usam esse modelo, incluindo México, Alemanha e Estados Unidos.

A maioria dos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aplica uma taxa de imposto seletivo mais baixa à cerveja do que às bebidas destiladas, e muitos reduziram progressivamente as taxas para cervejas com baixo teor alcoólico ou sem álcool.

No ano passado, o Reino Unido reformou sua estrutura de impostos sobre o álcool para torná-la mais simples e economicamente racional. Sob o novo sistema, todas as categorias são tributadas com base na concentração do álcool, com produtos com maior concentração pagando mais impostos por unidade de álcool do que produtos com menor concentração.

O então chanceler Rishi Sunak resumiu as mudanças: “Nosso novo sistema será projetado em torno de um princípio de senso comum: quanto mais forte a bebida, maior a taxa. Essa é a coisa certa a fazer, e ajudará a acabar com a era de bebidas baratas e de alto teor alcoólico que podem prejudicar a saúde pública e permitir o consumo problemático de álcool”.

O Brasil está atualmente trabalhando na regulamentação de uma importante reforma tributária, que engloba os impostos sobre as bebidas alcoólicas. É crucial que os parlamentares brasileiros sigam as melhores práticas globais para a formulação de políticas baseadas em evidências e adotem a diferenciação com base no tipo e na intensidade da bebida.

Embora a cerveja normalmente já tenha o menor teor alcoólico em volume na categoria, a indústria cervejeira tem trabalhado para incentivar ainda mais o efeito de substituição, investindo na produção de cervejas com baixo teor alcoólico ou sem álcool. São importantes investimentos em novos equipamentos, processos e marketing para desenvolver e promover esses produtos.

O imposto seletivo pode dar suporte a essa categoria nascente porque, quando taxas de impostos mais baixas são aplicadas a bebidas com baixo teor alcoólico, isso incentiva os produtores a continuarem desenvolvendo esses produtos e estimula os consumidores a experimentarem novas opções.

Por exemplo, quando a União Europeia reduziu as taxas para cervejas de menor teor alcoólico, foi observado que a mudança “fornece incentivos para que os consumidores escolham bebidas alcoólicas de menor teor alcoólico em vez de mais fortes, reduzindo assim a ingestão de álcool. Também incentiva os cervejeiros a serem inovadores e a criar novos produtos de menor teor alcoólico”.

O mundo está em um momento único, no qual as políticas de saúde pública, a demanda do consumidor e as metas comerciais da indústria cervejeira estão se cruzando para impulsionar a aceitação de produtos com menor teor alcoólico ou sem álcool e atender às metas globais de saúde pública.

Os criadores e executores de políticas públicas – no Brasil e em outros países – devem aproveitar essa oportunidade para incentivar os consumidores a escolherem menos álcool por meio de políticas inteligentes e baseadas em evidências.

(*) SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE-EXECUTIVO DO SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DA CERVEJA (SINDICERV); E PRESIDENTE E CEO DA WORLD BREWING ALLIANCE (WBA). ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO WEBSITE DO JORNAL “O ESTADO DE S.PAULO” EM 18/07/24.

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