“As grandes cervejarias estão se tornando plataformas de tecnologia”

A pandemia do coronavírus desafiou toda a sociedade, mas a indústria cervejeira vai sair dela não apenas modificada, mas também com mais vertentes de atuação. Essa avaliação foi apresentada por Luiz Nicolaewsky, superintendente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), em entrevista ao Guia, com o executivo apontando que as grandes cervejarias buscaram alternativas ao longo dos últimos anos, o que as levou a praticamente se transformarem em “plataformas de tecnologia”.

O Sindicerv representa hoje, no Brasil, as duas principais cervejarias do mundo, a Ambev e o Grupo Heineken. E avalia que o poder de adaptação das duas gigantes, que as faz Nicolaewsky qualificá-las como futuras plataformas de tecnologia, indo muito além da atuação apenas com as suas bebidas, foi fundamental para o crescimento de 5,3% em volume em 2020 e de estimados 7,7% em 2021 da indústria cervejeira no país.

Um êxito que faz o diretor do Sindicerv acreditar que nem o aumento de casos de coronavírus no início de 2022 freará a expansão da atividade das cervejarias brasileiras.

“Nós não tivemos carnaval, São João e outras festas em 2021, e o resultado foi acima da expectativa, houve crescimento. Então, a nossa projeção, em ordem de grandeza, é de crescimento tão forte quanto de 2020 para 2021, quando falamos em 7,7% no volume” Luiz Nicolaewsky, superintendente do Sindicerv

Ainda assim, o setor não deixa de ter suas demandas, sendo a principal delas a simplificação da cobrança tributária. Confira as razões para esse pedido por uma reforma, as avaliações de mercado, as perspectivas para as grandes cervejarias e a visão sobre as artesanais na entrevista do Guia com Luiz Nicolaewsky, superintendente do Sindicerv:

Qual foi o saldo para a indústria cervejeira no ano de 2021?

A gente vem numa crescente desde 2015. O ano de 2020 veio com a pandemia, o que surpreendeu a todos, não só as cervejarias. Por ter sido uma coisa absolutamente nova, não se sabia como lidar com isso. A gente evoluiu nos cuidados, mas isso repercutiu em 2020, com impacto nos três primeiros meses. Mas o Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, com mais de 1.300 cervejarias e o povo é muito criativo. Então, conseguimos nos adaptar a esse fenômeno. Houve um crescimento em 2020 de 5,3% no volume. Para 2021, estamos projetando um crescimento de 7,7%. Entregamos em 2020 13,3 bilhões de litros de cerveja. E a projeção para 2021, que tivemos com o Euromonitor, é de 14.3 bilhões de litros. Esse aumento se deu por causa da adaptação. Descobrimos que o consumo migrou para o domicílio. E as cervejarias precisavam encontrar um caminho para chegar ao seu cliente. Para isso, a tecnologia favoreceu muito. Quem implementou medidas vinculadas a isso, com os deliveries e os aplicativos, acabou se dando bem, o que justifica esse crescimento.

A chegada da variante Ômicron e o aumento do caso de coronavírus logo no verão podem atrapalhar a continuidade desse crescimento em 2022?

De fato, temos a Ômicron, com uma aceleração de casos, embora não com o mesmo pico de mortes. A vacinação evoluiu muito, o brasileiro aderiu. Então, o desfecho não será tão cruel quanto foi em 2020 e 2021. Muitas cidades têm cancelado o carnaval e concordamos, porque entre a vida e a empresa, nós optamos pela vida. Mas a nossa percepção é que será uma nuvem passageira, que vai se dissipar mais rapidamente do que em 2021. Nós não tivemos carnaval, São João e outras festas em 2021, e o resultado foi acima da expectativa, houve crescimento. Então, a nossa projeção, em ordem de grandeza, é de crescimento tão forte quanto de 2020 para 2021, quando falamos em 7,7% no volume. Acreditamos e confiamos que chegaremos muito próximos disso.

Embora a indústria cervejeira tenha crescido ao longo da pandemia, houve inúmeros desafios. Como foi possível se equilibrar e quais são as perspectivas?

Já temos investimentos anunciados. A Heineken teve um problema em Pedro Leopoldo (MG), de localização e captação de água, mas ela está com R$ 1,8 bilhão para investimento em uma nova fábrica para dar conta da sua demanda. A Ambev vai investir em uma fábrica de vidros e investiu em fábrica de latas. Houve problemas pontuais de abastecimento de insumos na indústria, mas não só na cervejeira. Toda a indústria brasileira experimentou isso. A Estrella Galicia vai colocar uma fábrica em Araraquara (SP), trazendo R$ 2 bilhões. Isso são grandes números, que revelam a confiança em um mercado espetacular, mesmo com os problemas do Brasil.

Quais são as principais demandas do Sindicerv nesse momento para as grandes cervejarias?

Uma ampla reforma tributária, não fatiada, que simplifique a tributação. Nossos associados têm mais gente trabalhando na parte fiscal do que na inovação. É importante não só para a indústria cervejeira, mas para todo o país. Precisamos de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) único, que estava previsto na PEC 45. Ela perdeu tração, depois abrindo espaço para a PEC 110. Ela está parada na CCJ no Senado, talvez seja pautada nesse começo de 2022, mas esse é um ano atípico, por ser eleitoral, quando os grandes temas costumam não ser tratados. Consideramos que a PEC 110 está madura para ser votada. Não se trata nem de mexer na carga tributária, mas de simplificá-la. A carga tributária da cerveja no Brasil está em 56%, é uma das maiores do mundo, um percentual que está próximo ao limite que na economia se abre caminho para a baixa qualidade e a informalidade, como acontece com outros produtos.

A carga tributária também é uma reclamação constante das microcervejarias. Como o Sindicerv enxerga essa demanda?

Nas conversas que nós fizemos, no Senado e na Receita Federal, apresentamos em conjunto as demandas das pequenas cervejarias, que envolvem a aplicação de um redutor de acordo com o volume produzido, como é praticado em alguns países. Têm países que se caracterizam por produção de determinados produtos, como a França com o vinho. Nesses países, o imposto é reduzido a praticamente zero para estimular o mercado e o seu produto. Aqui, nós teríamos a cerveja, e a cachaça que é brasileira e merece atenção e cuidado.

Em sua visão, em termos de bebida, há alguma tendência surgindo no setor cervejeiro?

O PIQ da Cerveja abre uma avenida para a criatividade. Nós vamos ter novos produtos, estaremos mais próximos do que se pratica no mundo. O pessoal é muito criativo, as nossas associadas têm times de inovação, 20% do faturamento de uma delas é de produtos desenvolvidos nos últimos anos. O que eu vejo com o PIQ é a maior variedade de produtos, algo que já temos um crescimento importante. Se você olhar em perspectiva, isso já acontece com a cerveja sem álcool. De 2015 a 2020, a produção de cerveja sem álcool cresceu 91%, passando de 103 milhões de litros para quase 198 milhões de litros anuais. Além disso, deu um salto de 40% de 2019 para 2020. Tem a demanda do low carb, da cerveja sem glúten e com menor teor alcoólico. A cultura dos mais jovens é de valorizar o mundo sustentável e saudável. E você vai atender esse público com essas cervejas.

E como o Sindicerv vê o futuro das grandes cervejarias? Como será a atuação delas?

Em função da pandemia e da mudança de hábito de consumo, as empresas se reposicionaram e estão muito próximas de serem plataformas de tecnologia, com delivery e e-commerce. Além de trabalhar com o seu produto, a cerveja, você tem, por exemplo, um aplicativo (Zé Delivery, da Ambev), como acontece com um dos associados, que existe para você encomendar produtos, alguns até da concorrente. Também tem um aplicativo de B2B (Parceiro BEES, da Ambev). A Amazon nasceu dessa maneira, com venda de livros pelo correio. Hoje está colocando gente no espaço.

Fonte: https://guiadacervejabr.com/

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