Colocar o cliente no centro do negócio e desenvolver as estratégias a partir das necessidades dele foi chave para a Ambev conseguir se recuperar da estagnação que vinha vivendo desde 2016, diz o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa, Lucas Lira. “Aprendemos que era essencial ouvir mais o cliente e o consumidor para desenvolver produtos e serviços que ajudem no negócio.”
Outra lição desses anos difíceis, diz o executivo, é a necessidade de ousar. Segundo ele, a empresa ousou antes da chegada da pandemia investindo em tecnologias que se mostraram essenciais durante a quarentena. Confira, a seguir, a entrevista.
Quais fatores fizeram a Ambev se recuperar?
Estamos passando por uma transformação estrutural. Isso leva tempo. De 2019 para cá, começamos a trilhar um caminho que acreditamos que pode ser muito bom. Primeiro, resolvemos nos abrir mais como companhia e olhá-la como parte de um ecossistema maior, que inclui revendedores, clientes, consumidores, fornecedores. Começamos a tentar trabalhar de forma mais colaborativa com esse ecossistema. Conforme ouvimos mais o consumidor e os clientes, tivemos melhores condições de desenvolver produtos e serviços que podem agregar valor. Hoje, partimos de quais são as dores dos clientes e consumidores em termos de experiência e qualidade. Tentamos desenvolver nossa estratégia com base nisso. A primeira é um portfólio de bebidas mais amplo e diverso. Não só de cerveja, mas de bebidas alcoólicas e não alcoólicas. Segundo, ouvindo os clientes, conseguimos dar um salto importante no nível de serviço na pandemia. Terceiro, fizemos apostas em tecnologia. A plataforma Bees passou a ser não só o principal veículo de comunicação com o ponto de venda, o que nos ajuda a atender melhor e ofertar mais produtos para os clientes, como também ajuda a digitalizar o negócio do cliente, além de trazer benefícios na área de logística. Outro exemplo: no Rio, temos um marketplace que permite que possamos oferecer para nossos clientes produtos que não são da Ambev. Temos feito parcerias com outras empresas de bens de consumo, como Camil, Pernod Ricard, Mondelez…
De 2016 até mais ou menos o começo da pandemia, a empresa teve um desempenho mais fraco. Como avalia esse período?
Vou tentar responder com base nos nossos aprendizados. Número um: a gente realmente precisava se abrir mais como companhia. Dois: aprendemos que era essencial ouvir mais o cliente e o consumidor para desenvolver produtos e serviços que ajudem no negócio. Colocamos o cliente e o consumidor mais no centro. Houve algo que não foi um aprendizado propriamente dito, mas uma oportunidade que se apresentou, e a companhia tem, por enquanto, sabido aproveitar. Foi essa aposta em tecnologia que fizemos como forma de ajudar o cliente que estava com as portas fechadas e precisava encontrar uma forma de operar. O Zé Delivery (aplicativo de venda de bebidas) chegou como uma solução para que nossos clientes pudessem continuar abertos, entregando em casa. Esse tipo de solução surgiu de uma demanda real. A pandemia trouxe dificuldade para todo mundo, mas, por já estarmos investindo nessas tecnologias há alguns anos, fizemos apostas corretas e isso talvez seja um aprendizado: ousar mais.Ousamos na parte tecnológica e também na de inovação de produto. No meio da pandemia, lançamos a Brahma Duplo Malte, que chegou super bem. O produto foi desenvolvido escutando 3 mil consumidores ao mês e conseguiu estar presente em um momento em que o consumidor estava mudando seu padrão de comportamento. A Brahma Duplo Malte abraçou as lives. Isso ajudou a marca a ser conhecida.
Apesar do aumento de receita e market share, as margens da Ambev ainda não se recuperaram. Como melhorá-las diante de um cenário de alta no dólar e no preço das commodities?
O mundo que estamos vivendo está mais incerto e volátil. Isso faz com que qualquer projeção seja complicada. Por isso, no nosso processo de planejamento, passamos a trabalhar com diferentes cenários, mais ou menos conservadores. A rentabilidade do nosso negócio tem estado sob pressão nos últimos anos muito em função de fatores fora do controle, como a desvalorização cambial e a inflação de commodities. Quando a gente olha para frente, em maior ou menor grau, continuamos vendo esse desafio. Por conta disso, acreditamos que o caminho segue sendo entregar crescimento de receita sólido. Tudo que a gente vem falando – da nossa estratégia comercial, da parte de inovação, do foco em marcas “premium” e da volta do consumo do bar – tende a nos ajudar muito. É no bar que a garrafa retornável (cuja margem é maior) é campeã de audiência. Isso ajuda a recuperar rentabilidade. Acreditamos que, se continuarmos entregando o nosso plano comercial, que é o que tem feito a diferença da pandemia para cá, e esse crescimento de receita, isso deverá continuar nos ajudando a recuperar a rentabilidade do negócio. Nosso ‘mood’ (humor) é de recuperação, e essa recuperação é puxada pelo crescimento da receita por conta da estratégia comercial.
O que ainda falta fazer nessa transformação da empresa e o que é importante para manter os resultados positivos?
Tudo que falei de aprendizado, temos de continuar aplicando para frente. Não existe jogo ganho, longe disso. Para mim, o mais importante agora é consistência. Continuar ousando, ouvindo o cliente e o consumidor e construindo produtos e serviços para atendê-los melhor.
A companhia está com um foco em cervejas “premium”. Como ficam as tradicionais Brahma, Skol e Antarctica?
Continuam sendo importantes. Na pandemia, elas foram resilientes. Vimos consumidores voltando para marcas conhecidas. A Brahma Duplo Malte foi importante para a família Brahma. Mas aqui também é importante falar como enxergamos o mercado brasileiro. Parecido com a Argentina e o Paraguai, o Brasil é um mercado em fase de expansão e de amadurecimento. O País ainda não é um mercado maduro do ponto de vista de perfil de consumo. A indústria de cerveja do Brasil segue crescendo, mas, dentro desse crescimento, tem as marcas “premium” e “core plus” crescendo em um ritmo mais acelerado. Quando olhamos nosso portfólio premium, ainda tem muita coisa para fazer. Quando o consumidor começa a considerar mais de uma marca, quem consegue desenvolver um portfólio mais amplo tende a criar um negócio de crescimento mais sustentável.