‘Energia verde é o novo puro malte’, diz presidente da Heineken

O Grupo Heineken vai atuar na área de energia, por meio de um aplicativo para bares e restaurantes, com base em geração distribuída a partir de fontes renováveis — e quer levar essa experiência aos consumidores finais. A iniciativa marca uma nova fase da companhia, que tem hoje 26% de participação de mercado.

Em entrevista ao GLOBO, o presidente do grupo no Brasil, Mauricio Giamellaro, diz que estimular soluções verdes ganhou ainda mais importância com a guerra, que revelou a fragilidade do sistema energético global. “Este ano vai ser energia verde”, diz.

Qual é a estratégia do grupo para o Brasil?

Todas as nossas marcas têm de ter um propósito social ou ambiental. A Heineken foi a primeira cerveja a ser produzida no Brasil com energia verde, e a Sol, com energia solar.

Na Devassa, há o trabalho da questão de consciência negra e de proteção das minorias. E parte da venda da Lagunitas é revertida para ONGs de cuidado com animais. Fazemos com a Baden Baden o reflorestamento de araucárias em Campos de Jordão.

A Eisenbahn vai ajudar pessoas a se desenvolverem do ponto de vista profissional, com cursos de mestre cervejeiro, de atendimento de bar. Estamos criando uma universidade para formar pessoas para trabalhar no segmento de bares, hotéis e restaurantes.

Mas isso ajuda a vender?

Muito. Na geração mais jovem, a preocupação e sensibilização com inclusão e respeito ao planeta é enorme. Na hora que está na frente da gôndola, o consumidor pensa “se essa cerveja é boa, puro malte além disso eu sei que é produzida com energia verde, é aqui que eu vou.” É isso é bom para o negócio.

E esse tipo de investimento vai aumentar?

Hoje, 10% dos investimentos na marca Heineken vão para plataformas de sustentabilidade, e não álcool. Isso já é grande e vai ficar maior. Investimos R$ 320 milhões nas cervejarias em São Paulo (Araraquara, Jacareí, Campos do Jordão e Itu) com novos sistemas de geração de energia renovável, com caldeiras a biomassa e tratamento de água, por exemplo.

E anunciamos a construção de uma nova cervejaria em Minas Gerais. Ainda vamos definir a cidade. Isso vai aumentar nossa capacidade até 2026. É um investimento total de R$ 1,8 bilhão. Ao todo, são 14 unidades produtivas no Brasil e 30 centros de distribuição.

E os planos para o Rio?

Se você olhar o Rio, a Heineken tem liderança em premium e é maior que a média no Brasil. Porém, o mercado do Rio é muito grande em bares, restaurantes e celebrações externas.

O carioca sai muito para celebrar. E acreditamos que no pós-pandemia o Rio vai ter um potencial muito grande de volume. E os bares são potenciais para embalagens retornáveis. Começamos com as embalagens retornáveis de 600ml e há um projeto para long necks no Sul.

Vamos investir para avançar com as embalagens retornáveis no Rio. Agora, estamos trabalhando com um piloto de geração de energia verde para bares e restaurantes do Rio.

Como vai funcionar?

Ofertamos, por meio de uma plataforma para bares e restaurantes, o acesso para que eles se cadastrem e comprem energia, na mesma lógica da compra de energia tradicional, acessando a geração distribuída por meio de energia renovável, como solar, biomassa e outras fontes.

E isso gera, por meio desse cadastro, uma vantagem em dinheiro. A conta dele é reduzida, podendo chegar a 40% em alguns locais. Isso será feito por meio da marca Heineken. Hoje, há pilotos no Paraná e em Mato Grosso. Agora vamos começar essa expansão pelo Rio.

Por que a energia verde?

O que foi o puro malte para a Heineken há alguns anos, este ano vai ser energia verde. A energia verde é o novo puro malte. Queremos falar de energia verde em toda a cadeia. Até 2023, vamos zerar a emissão na produção. E entendemos que só produção era pouco. Daí surgiu a ideia da geração distribuída para clientes e, futuramente, para consumidores.

Como assim, para o consumidor?

Podemos abrir uma plataforma como essa para os consumidores. O desconto, neste momento, será na conta de energia. Quem sabe podemos pensar, no futuro, em algum benefício de produto? É um tema novo.

Com a guerra na Ucrânia e o petróleo em alta, pode-se estimular a energia verde?

Sem dúvida. E até pelo momento que mostra a fragilidade do nosso sistema energético global. É importante investir em energias renováveis. É também o momento de grandes empresas se posicionarem e fazerem coisas efetivas para transformar nossa matriz energética global. Isso a gente traz na nossa estratégia.

Como o grupo está lidando com a inflação?

O que vai acontecer para frente por conta do momento inflacionário que estamos vivendo, até por questões de guerra, a gente ainda não sabe. Não acredito nem que dá para falar que o consumo vai cair por conta da inflação.

Ainda é muito cedo. A gente sabe que o consumo é, e foi, muito mais afetado por Covid, pandemia e chuvas, além de não haver carnaval, do que pela pressão inflacionária, pois ela vem de uma maneira geral e não só para o segmento.

Hoje a maior parte dos ingredientes é produzida no Brasil? Como é essa cadeia?

Grande parte dos nossos produtos é produzida localmente, mas são commodities e têm impacto do dólar e dos preços internacionais. Hoje, basicamente malte e vidro são importados. E, em momentos de grande pico, a lata. Isso é também como setor, não só a Heineken.

O malte vem de quais países?

Basicamente Europa, mas também da Ásia.

Este ano teremos eleições no Brasil. Isso pode afetar o consumo do setor?

Quando se olha o volume de investimentos, está claro que a Heineken não está preocupada com o que vai acontecer em 2022, 2023 e 2024. Acreditamos no Brasil porque aqui há muito consumo. E, independentemente da eleição e de um ano pouco mais difícil, o Brasil é um país que a empresa acredita ter grande potencial.

Então, o perfil dos candidatos não é uma preocupação?

Não. Estamos aqui pelo mercado consumidor. Os consumidores do Brasil são mais importantes que qualquer viés político.

Qual é a importância do Brasil para o grupo?

O Brasil é o maior mercado da marca Heineken do mundo. É quase o dobro do segundo, que é os EUA. E do volume total do grupo, é o segundo, atrás do México. Refizemos a nossa estratégia há quatro anos. Passamos de 8% para 26% de participação de mercado.

Não temos a menor pretensão de ser a maior cervejaria do Brasil. Fomos a primeira empresa a trazer o conceito de puro malte para o segmento mainstream (principal categoria de consumo). Hoje, o mercado está dividido em quatro categorias. Tem o mainstream, que responde por entre 50% e 60% do total.

Há o super premium (craft), no qual somos líderes, com uma fatia de 55%, com Baden Baden, Lagunitas, Blue Moon e Eisebahn Estilus. Tem ainda o premium, onde somos líderes com 60%, com Heineken, Sol e Eisenbahn. Os segmentos premium e super premium têm hoje 25% do mercado brasileiro.

No mainstream, dividimos o mercado entre puro malte (onde somos líderes com Amstel e Devassa e, agora, Tiger) e o que não é puro malte, onde a Ambev tem liderança, por isso ela é líder no Brasil. E depois tem o segmento economy, onde temos 45% de mercado.

Depois de comprar a Schin em 2017, ainda há espaço para mais aquisições?

O mercado que tem basicamente três grandes jogadores (Ambev, Heineken e grupo Petrópolis). Não é algo que estamos olhando, mas obviamente pode haver consolidação. Mas não acredito que isso aconteça no curto prazo. Nosso plano é crescer de forma orgânica. A Heineken pode dobrar de tamanho no Brasil. A Amstel pode quadruplicar no país.

Qual é a perspectiva de crescimento para o setor de cerveja?

O mercado de cerveja cresceu um dígito em 2021, mas ainda não recuperamos o patamar de 2019. E para 2022 acreditamos que o mercado cresça novamente.

 Acredito que este ano o setor possa se recuperar, mas vai depender do que ocorrer no clima, na macroeconomia e dos impactos do que está ocorrendo hoje (a guerra). Mantendo os indicadores similares de 2021 podemos recuperar ao nível de 2019.

Fonte: https://oglobo.globo.com